5.0 out of 5 stars
A elite que tudo pode
Reviewed in Saudi Arabia on 27 April 2016
De comum, A BOOK OF COMMON PRAYER não tem nada. Pelo contrário, o romance de 1977, de Joan Didion, é ambicioso, político e brilhante – como sempre, se tratando desta autora. A questão que guia a narrativa é a intersecção entre história e revolução, e como isso reverbera na vida pessoal das personagens.
Localizada numa república imaginária na América Central, chamada Boca Grande, a trama é narrada por Grace Strasser-Mendana, uma expatriada americana casada com um dos herdeiros da família dominante local. Ela não é a americana típica, é bom dizer. Estudou antropologia com Claude Levi-Strauss, em São Paulo, onde conheceu seu futuro marido, e se casou. Seu treinamento lhe dá um olhar privilegiado, ao observar a dinâmica política do país, e a flora e fauna – especialmente oligárquica – do local.
A personagem central, no entanto, é Charlotte Douglas, que vai para o lugar em busca da filha revolucionária – ecos de Patty Hearst aqui – que se uniu a um grupo de Marxistas, promoveu atos de terrorismo, e fugiu. Charlotte ouve dizer que moça pode estar em Boca Grande, um lugar cuja história, aliás, é bastante nebulosa, e que parece um mundo a parte – embora lembre em diversas camadas qualquer república das bananas por aí.
O passado de Charlotte também é nebuloso – perda de um filho recém nascido, um marido abusivo com quem ela ata e desata o tempo todo – e, por mais que queira o evitar, a personagem não é Boca Grande, e tem de enfrentar, mais cedo ou mais tarde, sua história pessoal. Já na primeira página, ela está morta, então, o romance se estrutura na tentativa de resgatar sua história pelo ponto de vista de Grace, que narra com distanciamento e olhar bastante crítico.
A Book of Common Prayer é Vintage Didion, com sua prosa elegante e meticulosa, na qual nenhuma palavra parece fazer figuração, todas têm uma razão de existir ali. A narradora é um estratagema que liberta Charlotte de mais um fardo. Como ela mesma poderia contar essa história, se nem ela é capaz de figurar o que está acontecendo? Não que Grace também o seja, mas aí entra uma enganação bem sacada. Acreditamos – não devíamos, mas... – na fala de Grace. Ela é persuasiva.
Ela também é uma mulher, rica, branca e americana, numa terra onde o que menos existe são pessoas assim. Seu poder de persuasão está exatamente nesse seu status. Porque deveríamos duvidar dela? É nessa sutil questão que Didion faz o retrato de uma elite que tudo pode. E tudo quer.
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